lunedì 14 dicembre 2009

Estória e História na net: Eros Olivieiri


Escreveu-nos o nosso caro aluno e amigo Eros Oliveri:


Dei caça caça à estória (a história nao está muito escondida).

Pesquisei no Google:

História: 66.900.000 resultados
Estória: 230.000.
Não tive para consultar os resultados.
A discussão na web sobre estória\História é muito grande mas parece-me inútil: é preciso que a estória e a história convivam: os homens fazem a história mas sonham com as estórias...


Obrigado, Eros!



Stefano Valente: História. Estória. A lição da cultura de língua portuguesa.


Sem palavras introdutórias: STEFANO VALENTE.


A história. As estórias. History. Stories. Hoje em dia existem dois grandes idiomas mundiais em que se registra a presença duma cisão formal da gama de significados duma mesma palavra: a derivante pelo latim historia.

A um primeiro olhar a exigência seria, seja no inglês seja no português, a de distinguir entre o relato, a exposição de acontecimentos reais — e às vezes até certificados por testemunhos — (history, história), e a narração de factos imaginários, o conto, a ficção, a fábula etc. (story, estória).

Não é possível, porém, liquidar o assunto tão rapidamente. Antes de tudo é mesmo um dado histórico que no inglês as duas vozes convivem, dir-se-ia, desde sempre, enquanto que o termo estória parece representar uma introdução bastante recente em português.

Uma breve pesquisa sublinha como, com estória, ficamos diante dum neologismo, duma forma cuja origem é caracterizada no sentido geográfico. De facto, se o Dicionário da Língua Portuguesa por Almeida Costa e Sampaio e Melo não o refere (pelo menos na 7ª ed., de 1994), encontramo-lo, por exemplo, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras; mais, estória é definido mesmo um brasileirismo por outros dicionários, que também o designam como o aportuguesamento do inglês story.

Além de podermos estabelecer com precisão de qual lugar do Brasil e quando a forma estória se derrama no mundo lusófono — que é tarefa dos linguistas de profissão —, é evidente que a sua difusão está ligada ao contexto literário, pois que se começa sistematicamente a falar em estórias com a obra do brasileiro João Guimarães Rosa (1908-1967).

Guimarães Rosa — a quem certo crítico chamou de Homero, de Cervantes, de Joyce brasileiro — elevou na sua escritura o sentido da palavra estória à máxima potência: a partir da colectânea Sagarana (1946), prosseguindo pelas Primeiras Estórias (1962: faça-se atenção ao título), até o maior sucesso do romance Grande Sertão: Veredas (1963), Guimarães Rosa desenvolve a sua narração como um enorme conto feito por milhares de vozes, cada uma delas falando na sua própria verdade dos factos. Factos que nos poderiam parecer pequenos, localizados (também no sentido de regionais), de menor importância, ou até inventados, fictícios. Guimarães Rosa, porém, mostra-nos que é mesmo graças a todas aquelas histórias menores — com h minúscula — que é possível uma reconstrução da verdade dos acontecimentos. Acontecimentos que têm de ser considerados principalmente como vivências: porque é pelo viver dos protagonistas — e das almas deles — que o conto da realidade toma forma, encarna, sobe à universalidade da experiência humana.

Principiando pelos contos dos boieiros e das figuras marginais do planalto sertanejo Guimarães Rosa ensina que, ao lado da História dos ricos e dos poderosos — dos que, o mais das vezes, resolvem o que tem de ser escrito nos livros —, há sempre continuam a andar os rios das estórias dos que não possuem direitos — dos pobres, dos menos afortunados, dos subalternos. E são aqueles rios, ao fim, e não os biliões de páginas decididas pelos vencedores ou pelos donos, que irão a formar o oceano do tempo do homem.

Portanto, estórias não só como invenções literárias, mas sobretudo como relatos do viver de quem não tem palavra, de quem amiúde nem sequer consegue aparecer — dar um signo da sua presença na terra. De Guimarães Rosa estória, neste sentido mais completo, faz-se espaço na linguagem portuguesa moderna. Quem a adopta — ou chega naturalmente a ela — sabe não poder prescindir duma matriz bem determinada de narração, isto é, da característica que necessariamente têm mais vozes quando estão a falar. Eis a altura da oralidade, entendida como momento de descrição coral, a mais pontos de vistas e por mais que um idiolecto somente.

A transformação do estilo de José Saramago — que se realiza com Levantado do Chão (trad. it. Una terra chiamata Alentejo) de 1980 — representa um claro exemplo de tudo isto. O autor português passa a escriturário que dá voz aos lavradores alentejanos — que permite também a dezenas de personagens do mísero interior português, sempre longe do resto e do bom do país, dizerem as suas verdades. Trata-se mesmo dum coro de palavras de angústia, cansaço, desengano — e também de esperança, ingenuidade, doçura. Mas em Saramago esta coralidade enriquece-se também dum outro aspecto: o da simultaneidade — ou melhor, uma atemporalidade — dos factos e dos casos que são os contos e os vividos dos protagonistas, a tal ponto que, para o autor, o tempo não é mais uma pura sucessão de antes e depois, uma simples linha recta de ocorrências, mas é algo muito semelhante a um ecrã único em que assomam e se remexem rostos, vivências, vozes. Depois de Levantado do Chão, Saramago jamais abandonará esta oralidade simultânea — jamais abandonará a estória. Por meio dela nascerão obras-primas como Memorial do Convento (1982), O Evangelho segundo Jesus Cristo (1992), Ensaio sobre a Cegueira (1995). Graças à estória em 1998 Saramago ganhará o Prémio Nobel da Literatura.

Em conclusão, a dupla história-estórias é coisa bem diferente de history-stories. O desenvolvimento destes dois termos assinala, no português, um nível de experiência línguistico-literária que não tem comparações com outros idiomas ou culturas. Talvez o percurso duma palavra esteja ligado a acontecimentos imprevistos — ou até ao azar dos seus falantes. Porém é um facto que uma literatura composta não só por histórias (e pelas suas “versões oficiais”), mas também por estórias, pode ensinar uma outra, preciosíssima acepção do que significa respeito pelo outro.


STEFANO VALENTE

Os cafés - de Lucia Turco


A nossa aluna LUCIA TURCO, que estuda Português no CLA (nível inicial), faz-nos a descrição do seu dia-a-dia... com muita cafeína.
Obrigado, cara Lucia!


Durante a semana, eu levanto-me às 8:30. Ao pequeno-almoço eu bebo muito café.
À terça e à quinta-feira eu saio às 8:50 para ir ao curso de português; nos outros dias eu saio às 9 horas e começo a trabalhar às 10 horas numa editorial.
Às 11 horas eu bebo meu segundo café.
Eu não almoço quando estou fora de casa. Mas à 1 hora eu bebo o terceiro café.
À tarde estudo, pinto ou escuto música, entre um café e um outro.
Às 8:30 eu preparo o jantar com meus amigos. Depois prefiro ler um livro a sair.
Ao fim de semana levanto-me tarde e tento não beber café.

mercoledì 9 dicembre 2009

Cavaleiro da Dinamarca - continuação da história de Sophia

Museu Nacional do Azulejo - Cavaleiro


Inventada por Germana Lardone...





- Quem mora ali ? perguntou o Cavaleiro

O mercador respondeu que o dono daquele palácio era Ser Bartolomeo Brandolin, um coleccionador, amante da arte e homem de raro e sensível gosto e começou a contar a sua história...

Bartolomeo Brandolin nascera numa famiglia de abastados comerciantes e começara a viajar, com seu pai e tios, na adolecência.

Era um jovem que tinha muita curiosidade pelo mundo oriental e uma grande sensibilidade pelos objectos belos.

Durante as sua viagens ao Oriente aprendeu a conhecer e estimar formas de arte diferentes daquelas suas conhecidas.

Comprava mercadorias preciosas para vendê-las no regreso a Veneza, mas nunca vendia os objectos dos quais mais gostava.

Dessa maniera, ao longo dos anos, reuniu muitas obras de arte de grande valor: quadros, esculturas, cerâmicas orientais, artigos de vidro da Siría, manuscritos, libros antigos, mobiliário oriental, tapeçarias, têxteis, peças de joalharia, moedas antigas, medalhas...

Ele gosta tanto da sua colecção que, ao pôr-do-sol, os criados devem acender todos os candelabros do palácio: desta maniera Ser Bartolomeo continua a fazer viver na luz as obras que tanto ama.

Ele anda devagar de sala em sala contemplado a arte que preenche a sua vida.


GERMANA LARDONE

História e Estória - por Germana Lardone

"Pintura de História" - Vincenzo Camuccini (1771 - 1844)


Resultado de uma pesquisa feita pela nossa aluna GERMANA LARDONE.
Obrigado, Germaninha!

História – Estória

Os vocábulos história e estória partilham a mesma etimologia do grego antigo, historie, no sentido de testemunho.

"Estória" é a grafia antiga da palavra "história", que caiu em desuso na língua falada em Portugal e não aparece nos recentes dicionários editados em Portugal.

Estória é considerada agora um neologismo para designar, no campo do folclore, a narrativa popular, o conto tradicional, o mito.

História é a ciência que estuda o homem e a sua acção no tempo e no espaço e também a narração ordenada e escrita dos acontecimentos e actividades humanas ocorridas no passado.

Por outras palavras pode-se dizer que história e estória correspomdem as palavras inglesas history e story.

Berlusconi em Lisboa


Notícia assinalada pelo nosso antigo aluno Massimiliano Rossi, a quem agradecemos a estima e o interesse, para além da colaboração constante com "Via dei Portoghese"...




“No Berlusconi Day” chega a Lisboa


Um grupo de "bloggers" organiza sábado uma manifestação apartidária em Roma para exigir a demissão do primeiro-ministro italiano, intitulada "No Berlusconi Day" (Dia anti-Berlusconi).
Várias cidades do Mundo, incluindo Lisboa, associaram-se ao movimento. Em Portugal, a iniciativa partiu de uma dezena de "bloggers", italianos mas também portugueses, e mantém o carácter espontâneo e apartidário da manifestação, marcada para sábado às 14:00 na Praça Luís de Camões.
"Temos a confirmação de 200 convites no Facebook. Prevemos que cada pessoa leve ao menos uma pessoa, portanto, esperamos 300 a 400 pessoas", disse à Agência Lusa Massimiliano Rossi, um dos organizadores.
Além de Roma, onde são esperadas 350.000 pessoas, e de Lisboa, estão também previstas manifestações em Londres, Paris e Sidney, entre dezenas de outras cidades.
"É a primeira iniciativa nascida de forma completamente autónoma na internet", explicou quinta-feira à imprensa em Roma Gianfranco Mascia, um dos coordenadores do movimento lançado em Outubro por meia dúzia de "bloggers" italianos.
O objectivo do "No Berlusconi Day" é a demissão de Silvio Berlusconi da chefia do governo de Itália e "desmascarar todas as formas de 'berlusconismo'", segundo Gabriella Magnano, outra das coordenadoras em Roma. Segundo Mascia, o objectivo é também "informar os cidadãos que não têm acesso à Internet".
Os organizadores afirmam ser independentes de qualquer partido e apenas aceitar a participação de personalidades políticas a título pessoal.
Em Roma, estão previstas as participações e intervenções do Nobel da Literatura Dario Fo, sobre os efeitos das políticas de Berlusconi na área da cultura, e de um magistrado, Domenico Gallo, sobre os processos judiciais contra o primeiro-ministro italiano.
Os organizadores afirmam respeitar os votos dos italianos que voltaram a eleger Berlusconi em Abril de 2008, mas consideram essa vitória eleitoral como "uma anomalia italiana que faz com que um único homem controle três televisões privadas e toda a rede pública".

venerdì 4 dicembre 2009

Imaculada Conceição: celebrações portuguesas em Roma


Na próxima terça-feira a Igreja festeja o dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, festa particularmente sentida em Portugal, como em Itália, e afectivamente assocada, até há bem pouco, ao "dia da Mãe".

Em Portugal, aliás, a Imaculada é venerada como a sua Padroeira, e tal facto está ligado à história de Portugal. A 25 de Março de 1646 D. João IV, à vista da imagem da Imaculada no seu Santuário de Vila Viçosa (Alentejo, Portugal) e como agradecimento da vitória na guerra da Restauração da Independência (1.12.1640), proclamou Nossa Senhora Rainha de Portugal, tendo sido desde então representada com a coroa real na cabeça.

A comunidade portuguesa de Roma celebra a data em dois dias sucessivos.

A 7 de Dezembro, às 18h30 na igreja nacional, vai celebrar-se o primeiro ano sobre a inauguração do grande órgão de Santo António dos Portugueses. O seu organista titular, Maestro Giampaolo Di Rosa, irá executar F. LISZT (1811-1886) Fantasia e fuga sul nome di BACH (Trascrizione organistica dalla II versione pianistica del 1870, a cura di G. Di Rosa); O. MESSIAEN (1908-1992) Dal “Livre d’Orgue”:- Les yeux dans les roues- Soixante-quatre durées; G. DI ROSA (1972) Toccata, adagio e fuga sul nome di BACH (2009) Studio da concerto per pedale d’organo soloPrima esecuzione; J. S. BACH (1685-1750) Passacaglia BWV 582.

No dia seguinte, às 17 horas, o Bispo de Vila Real, S. E. R. Mons. Joaquim Gonçalves vai celebrar missa solene.

São todos bem-vindos à Via dei Portoghesi.

Muito para além dos chapéus, que os há, e muitos - por Rocco Costantino

O nosso aluno Rocco Costantino, escreveu este belíssimo texto, de grande profundidade, partindo da visão do filme "A Canção de Lisboa"... Partindo do riso, fez-se um discurso coisa muito sério... Buito bem, Rocco! Muito obrigado pelo texto e parabéns por ideias tão claras e tão justas!


“A canção de Lisboa” é um filme de 1933, mas ainda hoje é muito divertido e sobretudo parece um filme mais novo do que muitos dos filmes recentes. A alternância da parte falada e da parte cantada é conduzida com grande capacidade. Para mim foi uma verdadeira surpresa ver um filme assim antigo mas ao mesmo tempo tão moderno e simples, acessível a todos.

Entre tantas coisas, também o cinema em Portugal é uma contínua surpresa. O seu cinema, os seus escritores, o Porto, Lisboa, o fado, e também nossos jovens professores Duarte e Francisco - todos motivos válidos para continuar a estudar o idioma e a cultura portugueses.

No filme há uma expressão repetida muitas vezes: Chapéus há muitos, seu palerma. No contexto do filme parece significar “não interessa nada”, também pode significar (come diz a nossa Vilma) que não se deve escolher o chapéu dos outros, que Chapéus há muitos pode significar ser um homem livre.

A minha ideia é diferente: com certeza chapéus há muitos, como aliás há muitos tipos de pessoas. Há pessoas bonitas, feias, altas, baixas, brancas, negras, amarelas, católicas, muçulmanas, budistas, ateias... Chapéus há muitos. O problema está no facto de julgar e dividir as pessoas, que é sem dúvida o “desporto” mais difundido em todas as épocas e todas as civilizações. Mesmo as religiões parecem existir só para dividirem as pessoas em justas e erradas e aplicarem à letra “Divide e impera”.

Todos têm na sua cabeça uma balança para julgarem quem é bom e quem é mau. O branco é sempre bom (quando é rico), o negro sempre mau (especialmente quando é pobre), os pobres não têm vontade para trabalharem e, se por acaso não são da nossa raça, significa que todas as outras raças não têm vontade de trabalhar e são delinquentes.

Nunca se olha a pessoa, só o seu chapéu parece ser importante. Por sorte, todos os que julgam e dividem são palermas, é muito fácil enganá-los, basta mudar chapéu... Chapéus há muitos. Basta mudar de fato, mudar de carro, mudar de cor de cabelos ou de pele e o juízo de valor logo muda também. Assim há muitos palermas: os que julgam só o chapéu e os que avalizam, mudando chapéu, essa estupidez.

Até agora fiz um discurso muito optimista, dizendo que o julgar pelo chapéu e o mudar de chapéu são sinais de estupidez. Mas a realidade é outra, muito pior: julgar e mudar chapéu são quase sempre a maneira escolhida pelos homens para ficarem sempre à superfície, sempre no poder, para ganharem dinheiro de qualquer maneira.

ROCCO COSTANTINO

Espelho Mágico? por Rosanna Cimaglia


Ainda a respeito da projecção de um excerto de "Espelho Mágico" de Manoel de Oliveira, no passado mês de Novembro, a nossa brilhante aluna Rosanna Cimaglia inventou uma nova história para a protagonista, Alfreda... Obrigado e parabéns, Rosanna! E aos nossos leitores: bom divertimento!



Dona Alfreda da Encarnação e Silva era uma mulher muito conhecida na cidade, invejada por fazer parte duma família rica com história de gerações. A casa onde morava e passava os dias inventando as suas horas era uma quinta que ficava fora da cidade, considerada uma das mais bonitas do país e conhecida pelas gentes com o nome de “quinta dos jantares” por causa dos jantares que frequentemente Dona Alfreda organizava.

As pessoas falavam desses jantares por serem abundantes e com comidas exóticas, de sabores particulares, que não se comiam habitualmente…Todos eram convidados a casa de Dona Alfreda, tanto ricos como pobres – mas, é claro, em dias diferentes! Com esse comportamento gentil e grandemente apreciado, Alfreda ganhou popularidade, mas havia alguém que a considerava com suspeita, porque não se compreendia bem as razões desse grande ímpeto para saciar o povo.

Essa atenção pelo próximo tinha criado na população uma espécie de imagem mística dela, tal que se dizia que a Dona Alfreda da Encarnação e Silva era como a Nossa Senhora na terra! E ela, mulher egocêntrica e excêntrica que gostava surpreender o próximo, ficava tão orgulhosa com essa definição que começou a fantasiar sobre a Virgem Maria e a dedicar-se ao misticismo, ao descobrimento da figura de Nossa Senhora e das semelhanças que tinha com ela, pois era um meio para se exaltar e empregar o seu tempo.

Entre um banho na piscina e um Martini, Alfreda começou o seu caminho de elevação espiritual falando das sua aspirações místicas com amigos, empregados da quinta, religiosos, e acabou por contactar uma monja muito famosa que vinha da Espanha só para falar de “técnicas de revelações” e aprendizagem da fé e para tentar dar graça ao seu ânimo. O que Alfreda desejava sobretudo era ver a Virgem Maria mas, apesar dos exercícios espirituais - depois o pequeno almoço, o almoço e o jantar - apesar do ioga - duas vezes por dia - apesar dos rosários com pais-nossos e ave-marias, o estado de graça desejado não chegava… Que fazer mais?

Uma noite, depois um dos seus pantagruélicos jantares, Alfreda retirou-se para o seu quarto com esta pergunta na cabeça: “que fazer mais?”. Parou diante do grande espelho, e dado que tinha trazido um prato da mesa, foi pô-lo sobre a mesa da cabeceira. Voltou ao espelho e fixando os seus olhos que se reflectiam nele, repetia a si mesma a mesma pergunta. Como num estado de hipnose, viu um turbilhão de ondas e luz em redor da sua figura, que a atiraram no centro do espelho até desaparecer…

Embrulhada numa grande luz, Alfreda fez uma viagem através do tempo e do espaço chegando a um lugar desconhecido. Parecia uma aldeia antiga, oriental, não havia ninguém na rua , mas ela ouviu uma voz de homem chamar:
“Maria, Maria…onde é que vais? Maria, volta para casa, está frio aí fora, toma, leva o teu manto…é preciso ter cuidado, nas tuas condições…”

Alfreda voltou-se, viu um homem que estava a falar com ela, mas ela não compreendia. O seu nome não era Maria. E porque é que ele lhe dizia “nas tuas condições” ? Um instante depois sentiu uma dor no ventre e só naquele momento percebeu que estava grávida… grávida… e como aconteceu este facto? O homem tomou a sua mão e ela seguiu-o.

O resto da historia é conhecido: nasceu uma criança, começaram as peregrinações através daquela terra desconhecida, árida, tórrida onde o sol era tão forte que Alfreda/Maria, depois tanto caminhar, caía prostrada, sem forças, na areia ardente do deserto, pedindo ajuda gritando “Ajuda-me, ajuda-me…a criança, Zé, a criança…”

Na “quinta dos jantares”, a meio da noite, o lamento de Dona Alfreda era tão forte que chegou até ao quarto da sua criada Joana que, preocupada, precipitou-se até onde Alfreda dormia. Joana abriu a porta e viu Dona Alfreda que se torcia na sua cama, em delírio, e que num estado de confusão repetia “ a criança, Zé, a criança…”.

A criada, com voz alta, despertou-a e perguntou-lhe: ”Ó Senhora Dona Alfreda, se faz favor… de que criança está a falar… não há crianças na quinta...”

Alfreda abriu os olhos e viu na cara da sua criada numa expressão interrogativa. Naquele momento ela compreendeu: olhou o quarto, o espelho e voltando-se na cama para a mesa da cabeceira, fixou um prato vazio que estava sobre esta…

“Criança? Ah sim, minha Joana, temos de nos lembrarmos de dizer ao Paulo que a criança que vem da loja da Dona Maria Gonçalves não deve trazer aqueles cogumelos de cores de arco-íris para os próximos jantares…!”


ROSANNA CIMAGLIA

Entrevista a Saramago traduzida por Roberta Spadacini


No seguimento da notícia aqui publicada no mês passado (http://viadeiportoghesi.blogspot.com/2009/11/saramago-e-signora-io-donna-del.html), vimos agora publicar a entrevista feita a Saramago e a Pilar del Rio quando vieram a Itália para o lançamento da versão italiana de "O Caderno".

Agradecemos muitíssimo à nossa aluna Roberta Spadacini o empenho e a perfeição com que traduziu este texto publicado na revista "Io Donna" a 24 de Outubro.



CASEI-ME COM O MEU OPOSTO

José Saramago e a mulher Pilar Del Rio estão em Itália para apresentar “O Caderno” (Bollati Boringhieri), o último livro do escritor português.
Para ele nada funciona, para ela notá-lo é já um bom sinal. Ela fala muito, ele está em silêncio. Juntos há trinta anos, o Nobel português e a mulher Pilar contam-nos como são diferentes. Mas iguais.
di Giulia Calligaro



“Se tivesse entendido imediatamente como ele era nunca o teria casado”. Surpreende-me depois duma meia hora de palavras suaves Pilar Del Rio, mulher do prémio Nobel José Saramago, em Itália com o marido para apresentar “Il Quaderno” (Bollati Boringhieri), o novo livro nascido dum blog escrito pelo grande romancista português entre Setembro 2008 e Maio 2009, decididamente sem poupar eventos ou pessoas.
QUER DIZER QUE TROCOU TUDO? Pergunto-lhe numa sala de estar na entrada dum hotel de Turim, enquanto ele está sentado em frente, e finge de não ouvir.
“Não, absolutamente”. Assegura-nos a senhora com um sorriso solar e o olhar vivaz sempre dirigido ao marido. “Mas se tivesse sabido quanto somos diferentes, tinha tido medo”.
O encontro fatal aconteceu há 23 anos, quando Pilar, jornalista andaluza, foi ao encontro de Saramago em Lisboa para escutar a leitura do suo “O ano da morte de Ricardo Reis”, num itinerário lusitano que atravessou as etapas do livro. Estava-se em1986, ele tinha 63 anos e ela 36. Dois casamentos e uma filha ele, um divórcio e um filho ela. Apertam as mãos, trocam os endereços, e um mês depois ele vai ter cm ela pela via da Espanha e trá-la para Portugal. Um ano e casam-se.
DEL RIO: “ Em seguida casamo-nos outra vez em 2007 na Espanha, porque o casamento não foi registrado”. Nada mal para quem hoje tem estas dúvidas.
O QUE É QUE A CONVENCEU EM CASAR-SE?
“Estimava o escritor e descobri que o ser humano era exactamente igual ao artista: coerente, valoroso, rebelde”.
SARAMAGO: “Eu tinha entendido imediatamente que ela era muito diferente, mas o meu problema eram os meus amigos: diziam-me que era demasiado jovem, que não podia durar”.
Efectivamente Saramago escutava-nos. E o que mais assombra desta nova versão do autor do “Ensaio sobre a cegueira” e “A jangada de pedra” é que até há uma hora me falava com o indicador levantado, desejando que a palavra “esperança” fosse banida do dicionário, proclamando não só não acreditar na imortalidade da alma, mas nem mesmo na da obra: “Eu escrevo só para o meu tempo e sei que tudo vai morrer”, afirmava desafiando os seus 87 anos. Nenhum pacto com Deus, afinal – o seu novo romance “Caim” em estreia em Portugal, anuncia-se irreverente como foi “ O Evangelho segundo Jesus Cristo” e mostra mesmo a coragem de dizer que debater sobre o significado da vida é obsceno.
E O AMOR?
S “Há o amor dos 18 anos, o dos 40 e o dos 80. Falamos do amor eterno só porque somos mortais, mas não há um só amor. O que tenho pela Pilar, defeni-lo-ia como o verdadeiro amor, o que dá alegria”.
DR “A satisfação e a alegria de estar juntos”.
Até agora tudo permanece em harmonia. Mas se lhes pergunta o que é é esta alegria respondem:
S “ Estar juntos em silêncio”.
DR “ Não, eu nunca estou em silêncio”.
E aqui começa a disputa: porque ela é impulsiva e ele é reflexivo, ele é racional e ela é emotiva, ele é inflexível e ela disposta a mediar.
UMA VEZ MAIS NESTE LIVRO, SARAMAGO É MUITO PESSIMISTA, E A SENHORA?
DR “Absolutamente optimista, mas agora revelo-lhe o segredo da nossa união: nós achamos a mesma coisa, temos a mesma visão do mundo, a mesma visão política militante, o mesmo sentido de justiça. Só que ele diz que nada vai bem: o escândalo Berlusconi em Itália, os efeitos da presidência Bush no mundo, a pobreza, as guerras de religião. E chama tudo isto “pessimismo”. Eu digo que quando se nota que alguma coisa não funciona já é um primeiro passo para mudá-la: por isso eu o chamo “optimismo”. A ideia é igual, mas as palavras são opostas”.
QUANTO LHE CUSTA SER A SRª SARAMAGO?
DR “Todas as relações humanas são complicadas. Ainda mais quando é com uma pessoa pública porque implicam uma devoção total. Eu traduzo a obra do meu marido em espanhol, presido a Fundação Saramago que inaugurámos em 2007 em Lanzarote, onde vivemos desde há quinze anos, acompanho-o nas suas viagens e também trabalho como jornalista”.
ALGUMA RENÚNCIA?
DR “Fiz a minha escolha, por isso nenhuma renúncia. O nó verdadeiro é ter a capacidade de nos desenvolvermos da mesma maneira e nós temos. Se uma parte permanece atrás o casal fica infeliz. Muitas mulheres que têm uma vida desenvolvida ficam sozinhas porque nenhum homem é capaz de as seguir. Pensemos no governo espanhol: metade é formado por mulheres e entre todas há três filhos e um casamento. No XXI século é ainda necessário escolher família ou carreira, não há uma forma alternativa de sociedade. As mulheres seguem mais facilmente os empenhos dos homens e não vice-versa.
A DIFERENÇA DE IDADE FOI UM PROBLEMA?
DR “Não, nem de um ponto de vista físico nem psicológico. É uma relação madura, que veio depois de outros casamentos”.
Não hesitamos em acreditar que a energia da Pilar foi o aguilhão que esporeou o marido a escrever o blog. Um fenómeno novo para um escritor que se define “homem antigo” e que com outras armas fez oposição a um regime como o de Salazar no seu país.
ACREDITA QUE HOJE A FACILIDADE DA COMUNICAÇÃO TAMBÉM TRAZ UMA MAIOR EFICÁCIA DA PALAVRA?
S “Pelo êxito que teve o livro deduzo que a superstição do novo faça pensar que a tecnologia é a guardiã de grandes coisas. Pelo contrário eu acho que pelo facto da internet se ter enchido de frivolidades, nunca poderá substituir as artes maiores”.
De momento o blog surtiu efeito inesperado, visto que por causa de uma invectiva “sincera” contra o nosso Premier, a Einaudi renunciou à publicação do livro. Nenhuma cortesia para Bush ou Sarkozy. Com Obama todavia acende-se uma luz.
BARACK OBAMA LEVA O PRÊMIO NOBEL DA PAZ. DIGA-NOS ALGO.
S “A sua eleição foi uma grande notícia, este prémio chega um pouco cedo. Desejo que seja para o que vai fazer”.
Pilar diz que sim com a cabeça e agita as mãos para dizer também ela a sua opinião enquanto ele quer prosseguir, com resolutos “nãos”.
QUAL FOI O MELHOR PRESENTE QUE LHE DEU A SUA MULHER PILAR?
S “Deu-me a sua grande capacidade de amar. Não digo que antes tenha sido um egoísta, mas ela vive para os outros.
E PARA A SENHORA, QUAL FOI O MELHOR PRESENTE QUE LHE DEU O SEU MARIDO?
DR “Ensinou-me a ter uma posição firme. Onde ele é intransigente, eu sou sempre demasiado transigente”.
S “Somos complementares”.
DR “Tese, antítese, síntese: uma receita perfeita”.
E leva-o pela mão até ao elevador, esperando com grande força o seu passo.


Tradução para português de ROBERTA SPADACINI