venerdì 23 aprile 2010

Prepara-se a viagem do Papa a Portugal: livro de Aura Miguel


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Quem é Joseph Ratzinger, como chegou a Papa, ou quais são as suas principais preocupações como Chefe da Igreja Católica. Neste livro, a jornalista Aura Miguel dá ainda a conhecer um Papa diferente, que gosta de ler, escrever, ouvir música e debater assuntos teológicos com outros académicos. E que, segundo os seus amigos portugueses, tem sentido de humor, é afável e atencioso. O lançamento da obra da única jornalista portuguesa com acreditação permanente no Vaticano está marcado para o dia 29, às 18.30, na Feira do Livro de Lisboa, por Marcelo Rebelo de Sousa. No dia seguinte, o livro será apresentado no Porto pelo bispo D. Manuel Clemente. O DN publica, em primeira mão, alguns excertos.


A ELEIÇÃO

O voto n.º77


Quando Bento XVI foi eleito tinha 78 anos de idade. Por duas vezes tinha tentado reformar-se e voltar para a sua casa na Baviera, onde vive o irmão, mas João Paulo II nunca aceitou os seus pedidos. O sonho de Ratzinger era acabar os dias a estudar teologia e, nos intervalos, tocar piano. Afinal, nada correu como planeado.
O conclave que elegeu Joseph Ratzinger foi dos mais rápidos.(página 15)
A rapidez da escolha desmentiu os prognósticos de muitos sectores - incluindo meios eclesiásticos e comunicação social - de que havia uma forte resistência à eleição de Ratzinger. Aconteceu o contrário: os cardeais deram ao mundo um sinal de união ao elegerem tão depressa este Papa.
Sobre o que se passou dentro do conclave pouco se sabe, por causa do juramento que os cardeais são obrigados a fazer para manter segredo, sob pena de excomunhão. Mas alguns cardeais acabam sempre por revelar aspectos marginais à eleição.
Os lugares do conclave, na Capela Sistina, estavam distribuídos por duas filas de cada lado do altar, paralelas às paredes laterais. O primeiro lugar à esquerda, bem próximo do Juízo Final de Miguel Ângelo, era o do cardeal decano, Joseph Ratzinger. Segundo vozes «bem informadas», o número de votos alcançado por Ratzinger terá superado os de Karol Wojtyla (eleito com 99 votos no conclave de 1978). Mas, naquela tarde do dia 19 de Abril de 2005, Ratzinger só precisava de 77 votos para ser eleito. Por isso, enquanto se procedia à recontagem dos votos resultantes da quarta votação, os eleitores não esperaram que se chegasse ao fim, como testemunhou o cardeal espanhol Julián Herranz: «Quando chegámos ao voto 77, pusemo-nos de pé a aplaudir. Era uma forma de agradecer a Deus, de louvar o Espírito Santo que nos tinha levado à quantidade necessária, já na quarta votação. Nesse momento vi o cardeal Ratzinger como sempre o vi: um homem de uma grande paz e serenidade interior.»
Os cardeais permaneceram todos de pé, a aplaudir, excepto Ratzinger, como relatou o cardeal inglês Murphy O'Connor: «Estávamos de pé, mas ele continuava sentado, com a cabeça baixa. Estava a rezar.» Então, o cardeal Angelo Sodano, acompanhado pelo cardeal secretário do conclave e pelo cardeal camerlengo formularam-lhe a pergunta crucial: eminentíssimo senhor cardeal, aceita a eleição para Sumo Pontífice, canonicamente realizada?
«Ratzinger aceitou com um sim muito claro, forte e decidido. Nesse momento, sentia se na capela todo o peso que estava prestes a cair nos seus ombros. Foi um sim sem reservas, creio que estava feliz ao dá-lo, por aceitar este peso até à morte», contou o cardeal Christoph Schönborn, de Viena.(página 15)


PREOCUPAÇÕES

A ditadura do relativismo


No alvor deste pontificado terá estado a preocupação dos cardeais com o avanço do relativismo e a escolha de alguém que conhecesse a fundo estes problemas. Analistas consideram que, em 1978, com a eleição de Karol Wojtyla, «o Conclave reagiu às ditaduras comunistas com a mensagem de que não há dignidade do homem sem liberdade», enquanto que «o Conclave de 2005 emitiu sinais de alarme contra a ditadura do relativismo: não há liberdade sem verdade».
Com efeito, a última homilia de Ratzinger antes de ser eleito Papa é uma chave de leitura fundamental para perceber este pontificado. Foi ele que, na qualidade de decano do colégio cardinalício, antes de entrarem para o conclave que o viria a eleger, presidiu à missa Pro Eligendo Romano Pontifici. E ficaram famosas as palavras que proferiu, quer sobre aquilo a que chamou «ditadura do relativismo», quer ao denunciar o risco de permanecermos com uma fé infantil, «em estado de menoridade».
Citando a carta de São Paulo aos Efésios - «como crianças, levadas ao sabor de todos os ventos de doutrina, pela malignidade dos homens e astúcia com que induzem ao erro» [cf. Ef.4, 14] - disse, então, o futuro Papa: «Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decénios, quantas correntes ideológicas, quantas modas de pensar… A pequena barca do pensamento de muitos cristãos foi muitas vezes agitada por estas ondas, lançada de um extremo para o outro: do marxismo ao liberalismo, até à libertinagem, ao colectivismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo e por aí adiante.» E Ratzinger prosseguiu: «Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, é, com frequência, rotulado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, isto é, deixar-se levar de um lado para o outro, ao sabor de todos os ventos de doutrina, surge como a única postura adequada aos tempos de hoje. Vai-se, assim, constituindo uma ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e os seus desejos.»
Nesta homilia, o cardeal Ratzinger acrescentou ainda que «adulta não é uma fé que segue as ondas da moda nem a última novidade; adulta e madura é uma fé profundamente radicada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos abre a tudo o que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade».
É interessante verificar como estas preocupações são agora uma constante nos ensinamentos de Bento XVI. Foi o que aconteceu, por exemplo, na homilia de encerramento do Ano Paulino: «Não podemos mais permanecer como meninos inconstantes, levados por qualquer vento de doutrina. [?] A expressão "fé adulta", nas últimas décadas, tornou-se um slogan conhecido. Ouvimo-lo com frequência como sinónimo de quem já não dá ouvidos à Igreja nem aos seus Pastores, mas decide escolher aquilo em que quer ou não acreditar; portanto, uma fé ad hoc. E esta "fé adulta" é apresentada como "coragem" de se expressar contra o Magistério da Igreja. Ora, na realidade, para isto não é preciso ter coragem, porque se pode ter sempre a certeza de receber elogios públicos. Pelo contrário, coragem é aderir à fé da Igreja, apesar de ela contrariar o "esquema" do mundo contemporâneo. [?] Assim, faz parte da fé adulta, por exemplo, empenhar se pela inviolabilidade da vida humana desde o primeiro momento, opondo-se de forma radical ao princípio da violência, precisamente também na defesa das criaturas humanas mais indefesas. Faz parte da fé adulta reconhecer o matrimónio entre um homem e uma mulher para toda a vida, como ordenamento do Criador, restabelecido novamente por Cristo. A fé adulta não se deixa arrastar para aqui e para ali por qualquer corrente. Ela opõe-se aos ventos da moda. Sabe que estes ventos não constituem o sopro do Espírito Santo.»(página 23)


PATOLOGIAS DO VELHO CONTINENTE

O Ocidente ferido de morte


Quando Bento XVI visitou a Baviera, em Setembro de 2006, afirmou que o Ocidente está ferido de morte. Ou seja, «sofre de patologias mortais da religião e da razão», cujas consequências só podem ser desastrosas para a humanidade. E os sintomas destas «patologias» percebem-se pela maneira como os outros nos olham.(página 37)
Na mesma homilia, o Papa também refere o modo como os outros povos não cristãos nos olham: «As populações da África e da Ásia admiram as nossas realizações técnicas e a nossa ciência, mas ao mesmo tempo assustam-se perante um certo tipo de razão que exclui Deus da visão do homem. [?] Para eles, a verdadeira ameaça à sua identidade não está na fé cristã, mas no desprezo por Deus e no cinismo que considera um direito da liberdade ridicularizar o sagrado e que eleva a critério moral supremo o critério da utilidade.»(página 37)


SURPRESAS E PROVOCAÇÕES

O átrio dos gentios


O cardeal alemão Walter Kasper, «especialista» no diálogo ecuménico e inter-religioso (e que, no passado, teve algumas divergências teológicas com o então prefeito para a Doutrina da Fé), explicou, no final do conclave, por que os cardeais tinham escolhido Ratzinger: «Queríamos uma pessoa firme na fé, com uma densidade intelectual profunda e com capacidade para ir explicar a nossa fé a qualquer parte do mundo.»
São prova disso o interesse com que largos sectores intelectuais e académicos seguem este pontificado e as interpelações culturais que dele resultam, nomeadamente nos sucessivos encontros que Bento XVI mantém com o mundo da cultura.
Mas o coração do Papa alarga-se e bate também por aqueles que estão fora, ou têm dúvidas sobre Deus. E esta é uma novidade deste pontificado.
Bento XVI toma a sério a nostalgia de Deus, que se encontra no coração de muitos que andam nas margens ou fora da órbita da Igreja, e quer dar-lhes um espaço. Por isso, à semelhança do Templo de Jerusalém que tinha um «átrio dos gentios» para os que não entravam no interior do templo, assim também a Igreja deveria ter um lugar para os «gentios» de hoje.(página 45)
Bento XVI considera fundamental acolher as «pessoas que conhecem Deus, por assim dizer, só de longe; que estão insatisfeitas com os seus deuses, ritos e mitos; que desejam o Puro e o Grande, mesmo se Deus permanece para eles o Deus desconhecido [cf. Act 17, 23]. Também elas deviam poder rezar ao Deus desconhecido e assim estar em relação com o Deus verdadeiro, embora no meio de escuridão de vários géneros. Penso que a Igreja deveria também hoje abrir uma espécie de átrio dos gentios, onde os homens pudessem de qualquer modo agarrar-se a Deus, sem O conhecer e antes de terem encontrado o acesso ao seu mistério, a cujo serviço está a vida interna da Igreja».
Assim, para Ratzinger, já não basta o diálogo inter-religioso; é preciso ir ainda mais longe: «Ao diálogo com as religiões deve acrescentar-se hoje, sobretudo, o diálogo com aquelas pessoas para quem a religião é uma realidade estranha, para quem Deus é desconhecido, e contudo a sua vontade não é permanecer simplesmente sem Deus, mas aproximar-se d'Ele pelo menos como Desconhecido.»(página 45)

O PAPA E PORTUGAL

Avisos e conselhos


Todavia, ao longo deste pontificado, no que se refere a Portugal, Bento XVI não falou apenas de Fátima. Em Novembro de 2007 os bispos portugueses foram a Roma, no cumprimento da Visita ad Limina Apostolorum - uma visita que, habitualmente de cinco em cinco anos, os bispos têm de fazer ao Sucessor de Pedro, para «lhe prestarem contas» sobre o que se passa nas suas dioceses.(página 73)
Bento XVI disse aos bispos de Portugal que «é preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde que fomos baptizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos co-responsáveis pelo crescimento da Igreja».(página 74) Mas as advertências do Papa a Portugal não ficam por aqui. No discurso que proferiu aos bispos, em Novembro de 2007, Bento XVI mostra-se preocupado com o aumento dos não praticantes, sinal de que muitos cristãos portugueses não sabem dar as razões da sua fé: «À vista da maré crescente de cristãos não praticantes nas vossas dioceses, talvez valha a pena verificardes "a eficácia dos percursos de iniciação actuais, para que o cristão seja ajudado, pela acção educativa das nossas comunidades, a maturar cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança de maneira adequada ao nosso tempo". [Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum Caritatis, 18].»(página 75)


RATZINGER EM PESSOA

Em regime de mosteiro


Bento XVI vive quase em regime de mosteiro. Ao contrário do Papa polaco, que gostava de receber amigos em casa (que depois, quando saíam, contavam imensas coisas…), Ratzinger é discretíssimo e pouco ou nada se sabe dele.
É conhecida a sua extraordinária pontualidade. Nos tempos em que era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, saía do seu apartamento situado na Praça Città Leonina - junto à porta Sant'Ana - e atravessava a pé a Praça de São Pedro até chegar ao seu gabinete, no antigo Palácio do Santo Ofício. Os vendedores e empregados dos quiosques da zona podiam acertar os seus relógios: o cardeal passava sempre à mesma hora; nunca falhava.(página 85)

Simplicidade


Quanto às outras facetas de Ratzinger, os seus amigos dizem que «é muito raro perder a paciência»; que é um homem muito simples, modesto, de grande paz e serenidade interior; e que, há uns anos atrás, se ofereceu para doar os seus órgãos para transplante.
É interessante o modo como Ratzinger se define a si próprio: «Sou um cristão normal. Mas, num sentido mais lato, a fé ilumina. Ligada ao pensamento, julga-se que - para citar Heidegger - se entrevê a clareira a partir das diversas encruzilhadas da vida.»(página 87)


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