lunedì 10 dicembre 2012

A palavra ao estudante... MARIA SERENA FELICI: "Oxalá"


     OXALÁ

Névoa de um povo a sonhar. São estes os versos do fado Céu da Mouraria, cuja melodia, saindo das lojas e das casas, embala tão frequentemente o caminho de quem passar pelas ruas deste bairro lisboeta. E, devendo escrever sobre esta palavra tão esquisita, surgiu-me espontâneo pensar neste verso, pois o sonho é o que mais nos faz pronunciar, ou ainda somente pensar, Oxalá... o fado Céu da Mouraria refere-se especialmente ao povo português, como é de esperar. E de facto, não é de estranhar que justamente a língua portuguesa possua uma palavra tão mística, tão fatalista, tão encantadora.
Ela vem do árabe, é uma herança da presença árabe que os portugueses têm guardado como preciosa, não no rasto dum romantismo vazio que demasiadas vezes é-lhes associado, e sim por uma sabedoria de fundo que compreende a consciência da limitação do poder humano. O que vem depois de oxalá, aquilo que, segundo a gramática, há de se conjugar no conjuntivo, é o que entregamos a Deus quando nos damos conta que o nosso poder já terminou.
Não sei quantas línguas possuem locuções comparáveis a esta; o certo é que se a língua é, como eu acredito, o “espelho” do povo que a fala, o português deve ser visto como o povo mais sentimentalmente racional. Pois, de certeza um particular como esta expressão contém um grande sentimento, é como Névoa de um povo a sonhar, é um modo de expressar os próprios sonhos entregando-os a alguém que está acima da limitada humanidade, de nunca deixar de sonhar, mesmo quando os acontecimentos da vida parecem dizer o contrário do que desejamos; mas será que há algo de mal nos sentimentos? Bem, talvez num mundo que quer transformar as pessoas em máquinas haja. E, pergunto: será mesmo tão racional pensar que o poder do homem é ilimitado? Ou não será mais maduro, e portanto mais racional, quem for consciente dos próprios limites de ser humano?
Eu acho que a plena e verdadeira maturidade se alcança ao fazer o que é da própria responsabilidade, sem deixá-lo a outros, mas sem esquecer que não sempre se pode obter tudo, e sendo capazes de renunciar, de vez em quando. E penso que quem diga oxalá  tem esta consciência. Acreditar que tudo está em nosso poder leva ao estilo de vida tipicamente burguês, que esquece a verdadeira fé em nome dum Deus que está nas igrejas onde é preciso ir aos domingos para exibir uma fachada de gente de bem.
E isso leva às várias crises económicas, pois o dinheiro, que é algo limitado como tudo o que apenas concerne o ser humano, não pode ser tratado como se o não fosse. Seria mesmo preciso pensar aprofundadamente sobre conceitos quais “racionais” e “sentimento”. Mas nunca temos o tempo necessário.      
MARIA SERENA FELICI

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