venerdì 10 giugno 2016

Dia de Portugal





— Extraordinário, aquele Gonçalo!

O Videirinha não findara o seu enlevado sorriso:

— Tem muito talento... Ah! o Sr. Doutor tem muito talento.

— Tem muita raça! - exclamou o Titó, levantando a cabeça. - E é o que o salva dos defeitos... Eu sou amigo de Gonçalo, e dos firmes. Mas não o escondo, nem a ele... Sobretudo a ele. Muito leviano, muito incoerente... Mas tem a raça que o salva.

— E a bondade, Sr. Antônio Vilalobos! - atalhou docemente Padre Soeiro. - A bondade, sobretudo como a do Sr. Gonçalo, também salva... Olhe, às vezes há um homem muito sério, muito puro, muito austero, um Catão que nunca cumpriu senão o dever e a lei... E todavia ninguém gosta dele, nem o procura. Por quê? Porque nunca deu, nunca perdoou, nunca acarinhou, nunca serviu. E ao lado outro leviano, descuidado, que tem defeitos, que tem culpas, que esqueceu mesmo o dever, que ofendeu mesmo a lei... Mas quê? É amorável, generoso, dedicado, serviçal, sempre com uma palavra doce, sempre com um rasgo carinhoso... E por isso todos o amam, e não sei mesmo, Deus me perdoe, se Deus também o não prefere...

A curta mão que acenara para o céu recaiu sobre o cabo de osso do guarda-sol. Depois, e corado com a temeridade de pensamento tão espiritual, acudiu cautelosamente:

— Que esta não é propriamente doutrina da Igreja!... Mas anda nas almas; anda já em muitas almas.

Então João Gouveia abandonou o recosto do banco de pedra e teso na estrada, com o coco à banda, reabotoando a sobrecasaca, como sempre que estabelecia um resumo:

— Pois eu tenho estudado muito o nosso amigo Gonçalo Mendes. E sabem vocês, sabe o Sr. Padre Soeiro quem ele me lembra?

— Quem?

— Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquele todo de Gonçalo, a franqueza, a doçura, a bondade, a imensa bondade, que notou o Sr. Padre Soeiro... Os fogachos e entusiasmos, que acabam logo em fumo, e juntamente muita persistência, muito aferro quando se fila à sua ideia... A generosidade, o desleixo, a constante trapalhada nos negócios, e sentimentos de muita honra, uns escrúpulos, quase pueris, não é verdade?... A imaginação que o leva sempre a exagerar até à mentira, e ao mesmo tempo um espírito prático, sempre atento à realidade útil. A viveza, a facilidade em compreender, em apanhar... A esperança constante nalgum milagre, no velho milagre de Ourique, que sanará todas as dificuldades... A vaidade, o gosto de se arrebicar, de luzir, e uma simplicidade tão grande, que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia, apesar de tão palrador, tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo, que o acobarda, o encolhe, até que um dia se decide, e aparece um herói, que tudo arrasa... Até aquela antiguidade de raça, aqui pegada à sua velha Torre, há mil anos... Até agora aquele arranque para a África... Assim todo completo, com o bem, com o mal, sabem vocês quem ele me lembra?

— Quem?...

— Portugal.

Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires, Capítulo XII

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